MORRA EM PAZ – tratamos da urna e da partilha…

Imagem real de um anúncio no Reino Unido, onde se pode ver que os ” “solicitors” se assumem claramente como “mediadores imobiliários”

A Lei 49/2004 (Define o sentido e o alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores e tipifica o crime de procuradoria ilícita) é um marco simbólico ignorado pela generalidade dos serviços públicos e ostensivamente violada pela sociedade, seja por empresas ou por outros chamados profissionais liberais.

Com exceção de alguns serviços ligados à justiça, muito particularmente nos Tribunais e no Registo Predial, a esmagadora maioria dos serviços eletrónicos do Estado não foram construídos de forma a acolher a intervenção de solicitadores e advogados, ou de restringir o acesso a mandatários “profissionais” que não sejam solicitadores ou advogados, tornando letra morta o nº 7 do artigo 1º:

“7 – Consideram-se atos próprios dos advogados e dos solicitadores os actos que, nos termos dos números anteriores, forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional, sem prejuízo das competências próprias atribuídas às demais profissões ou atividades cujo acesso ou exercício é regulado por lei.”

  • Nos processos de licenciamento os profissionais da arquitetura representam (formal ou informalmente) os proprietários dos imóveis.
  • As imobiliárias fazem administração de bens imóveis e representam os proprietários com procuração destes.
  • Os contabilistas elaboram contratos de trabalho, apresentam reclamações tributárias (agora legitimamente), reclamações na ACT, ASAE, DGV, etc.
  • As empresas de “legalização de veículos” atuam de forma absolutamente livre, não sendo extraordinário ver solicitadores / advogados a recorrer aos serviços destas.
  • As empresas de recuperação de créditos (algumas até propriedade de solicitadores / advogados) publicitam os seus serviços de forma e advogados, agentes de execução e administradores de insolvência recorrem aos serviços destas.
  • O Estado entrega a empresas comerciais a tramitação dos processos de expropriação, conferindo mandato para negociação de valores, promover registos, cadastro, etc.
  • Empresas prestam serviços de Legalização de Imigrantes e assumem a representação fiscal (ver por exemplo eimigrante.pt)

Estes são só alguns exemplos de desrespeito aos limites (aparentemente) impostos pela Lei 49/2004, sendo inevitável a sua queda. Ficará dentro em breve definitivamente legitimada a livre concorrência e, necessariamente, a impossibilidade de se persistirem quaisquer critérios que permitam, a partir de uma certa qualidade profissional, perceber qual o seu papel e a sua área de atuação. Posto isto, se sob o ponto de vista da estratégia comercial for vantajoso juntar a atividade de advogado à de agência funerária, então nada impedirá que se crie um serviço (ou empresa) “JURISFUNERAL – morra em paz que nós tratamos da urna à partilha…

Não pretendo aqui afirmar se concordo ou não concordo, mas, tão só, dizer que me parece que vai acontecer.

Parece-me que deve ser evidente que a anunciada desregulação – que permitirá a outros fazer o que nós fazemos – também irá permitir que nós próprios passaremos a poder fazer o que era competência exclusiva de outros.

Fico na expetativa se as alterações aos estatutos das ordens profissionais – nomeadamente da OA e da OSAE – vão eliminar as diversas restrições à inscrição e/ou exercício, à publicidade ou à fixação / cobrança de honorários.

Dentro de dias teremos novidades e depois…

  • …uns vão insurgir-se contra as novas regras (ou falta delas), seja nas redes sociais ou numa assembleia de urgência convocada para o efeito…
  • …outros vão rapidamente adaptar-se à nova realidade e, como diz o povo, tratar de vida.

Confesso que tenho sérias dúvidas quanto ao futuro e utilidade das ordens profissionais, muito particularmente quando a sua ambição se limita ao papel de repositório de formação e formadores.

OS CAÇADORES DE DRAGÕES

As eventuais alterações Estatutárias que previsivelmente vão abrir a porta a sociedades multidisciplinares (e já agora acabar com o registo das sociedades na OSAE ou na OA), mais não é do que legitimar (no todo ou em parte) algo que já há muito nos acompanha… mais ou menos formal, mais ou menos às claras.

São certamente muitos os casos de sociedades “informais” não só entre solicitadores e advogados, mas também, por exemplo, entre solicitadores e contabilistas. Na realidade muitos dos colegas são simultaneamente contabilistas, imobiliária, mediadores de seguros, leiloeiras, recuperadores extrajudiciais de créditos, etc, etc, não sendo difícil encontrar estas atividades a serem desenvolvidas na mesma sede e com o mesmo telefone.

A criação de uma pessoa jurídica para albergar uma pluralidade de atividades é só mais um passo para a inevitabilidade.

A título de exemplo veja-se o que há muito se passa nos processos de expropriação, onde o Estado abre concursos públicos sob o título de “de cadastro no âmbito da expropriação”, mas a empresa adjudicatária não só faz levantamento no terreno, como promove as negociações com os proprietários, recolhe documentos, analisa a situação jurídica dos prédios, acompanha os processos de indemnização, etc…

E se até há pouco tempo a concorrência surgia de setores mais ou conexos com a atividade tradicional de solicitadores e advogados, as novidades que vamos ter de enfrentar vêm da área tenológica, da mesma forma que a concorrência à banca surgiu também do setor tenológico (vejam por exemplo o paypal, revolut, etc..,), não devendo estar longe uma dramática simplificação do processo de titulação dos negócios sobre imóveis.

Com pouco mais de 10 anos para alcançar a reforma estou (quase) certo de conseguir manter a minha atividade, adaptando-me necessariamente ao que vai surgindo. Confesso, porém, que estou há muito apreensivo quanto àquelas que vieram para esta profissão/atividade com a esperança de encontrar um rendimento estável, iludidos em cursos para “caçar dragões”, depois assaltados com pós-graduações, MBA’s, especialização e upgrades…agora para caçar “dragões vermelhos”, “dragões com crista” e “dragões de seis pernas”.

Deixo-vos a seguinte tema para reflexão.

Um município abriu meia dúzia de vagas para técnicos superiores (juristas, arquitetos, engenheiros, etc) e teve qualquer coisa como 300 candidatos. A remuneração de entrada é de cerca de 1250,00 Euros, que adicionando subsídio de refeição e descontando o IRS e Segurança Social dará uma remuneração líquida na ordem dos 1.100,00 Euros / mensais (14 x) ou seja, cerca de 15.500,00 Euros / ano (sendo que a remuneração mínima líquida na função pública para um trabalhador indiferenciado é de cerca de 11.000,00 euros / ano)

Se perguntarmos aos 3500 solicitadores com inscrição em vigor se trocariam a sua atividade liberal por um emprego na função pública, quantos restariam inscritos?

Façamos as contas ao contrário. Para um profissional liberal em prática isolada conseguir levar para casa 15.500 Euros num ano de trabalho, quando terá de faturar por mês? Feitas as contas terá de alcançar 33.000,00 €!  Se medir este valor em DPA’s  e sabendo os preços que estão a ser habitualmente praticados, terá de conseguir fazer mais de 250 DPA’s por ano, qualquer coisa como um DPA por dia útil!

Alerto, no entanto, que tendo em consideração a ausência da estabilidade e segurança, o profissional liberal terá de provisionar para sua reforma, devendo para isso acrescer pelo menos 25% ao valor líquido, o que implicará crescer a faturação para algo como 40.000,00 Euros.

Agora ponderem a evolução que se avizinha, com uma drástica simplificação dos procedimentos de titulação, com a esperada concorrência de todos os que podem titular, incluindo do próprio Estado, e um esmagamento acentuado dos preços!

Volto a perguntar, quantos trocariam a sua atividade liberal por um emprego na função pública, para um vencimento líquido de 1.100 Euros, catorze meses por ano, tendo a oportunidade de ficar doente, desligar o telefone a partir das 17 horas e não pensar nos problemas durante o fim de semana!

Enfim, o problema não está em concluir uma licenciatura, mestrado ou pós-graduação, o problema está em conseguir sobreviver numa atividade liberal, sem que alguma vez alguém lhes tenha dito não há dragões.

Porém, continuam os profissionais do ensino, que nunca caçaram dragões, a iludir os jovens nesse maravilhoso mundo de ser doutor.

Também serve para elogiar

Não são poucas as vezes que verto críticas à atuação da Autoridade Tributária, consciente que posso não ser por todos bem interpretado. Não se trata de criticar por criticar, mas antes apontar o que está mal, com a expectativa de que se corrijam comportamentos e assim se melhore a qualidade do serviço.

Com mais de 30 anos de profissão e uns 10 mais a acompanhar o meu Pai e o meu Avô junto dos serviços públicos, muito em especial finanças e conservatórias, posso dizer que encontramos muita gente boa, mas também alguma gente má. Encontramos servidores públicos que se dedicam a ajudar na resolução dos problemas do cidadão, e outros que se limitam a receber o soldo.

Ao longo destes 40 anos muitas coisas se foram alterando, na maior parte dos casos para melhor, mas nem sempre. A informatização dos processos / procedimentos permitiu, não só acabar com as extensas filas do IRS, como tornar o processo de liquidação, cobrança ou restituição drasticamente mais rápido e eficiente, devendo por todos reconhecido o constante esforço na melhoria do sistema.

Outro bom exemplo podemos encontrar nos procedimentos associados ao arrendamento, assinalando-se a qualidade da interface disponibilizada ao cidadão. O e-balcão é outra das medidas que em muito pode facilitar a relação do cidadão com a administração, naturalmente ainda a precisar de muitas intervenções, mas sem dúvida um bom ponto de partida.

Porém, o que sentimos nos dias de hoje, é que o sistema funciona para o que é “normal”, mas quando pretendemos promover algum processo de maior complexidade e que saia fora do que é “habitual”, torna-se muito difícil encontrar alguém com disposição para nos ouvir.

Mas o hoje o tema não assinalar o que está mal, mas precisamente o contrário, aplaudir o que está a ser bem-feito, assinalando duas pequenas novidades da passada semana, que são certamente resultado das manifestações dos utilizadores / utentes.

Avisos no e-balcão

Quem utiliza o e balcão certamente que já terá ficado enervado com a fastidiosa tarefa de diariamente aceder ao portal para ver se há ou não resposta.

A partir de agora passamos a receber um email a avisar de que já há resposta! Aqui está uma pequena intervenção com um grande impacto nos utilizadores.

Modelo I de Imposto de Selo por óbito

20 anos de depois, finalmente se abre a porta à participação do óbito por via eletrónica, certamente ainda a precisar de algumas melhorias, mas sem dúvida um passo importante, sugerindo a leitura do folheto informativo disponível no final.

Confesso que ainda consegui utilizar a funcionalidade, sendo natural que ainda existam algumas dificuldades. Pelo que pude perceber o procedimento será o seguinte:

I – Com o acesso daquele que será o cabeça de casal, deverá solicitar-se o NIF de herança indivisa. Para isso obtém-se-se o impresso aqui, para depois entregar presencialmente ou via e-balcão.

Assinalo que o e-balcão só permite juntar um único ficheiro pdf com o máximo de 5 MB, sugerindo que utilizem a ferramenta gratuita www.ilovepdf.com que permite anexar ficheiros e ainda comprimir (diminuir a dimensão do ficheiro).

A entrega da participação Modelo 1 do Imposto do Selo só pode ser efetuada após obtenção do NIF de Herança Indivisa. Caso ainda não disponha do mesmo pode solicitá-lo através do Atendimento e-balcão, em “Registar Nova Questão”, em “Imposto ou área” selecionar IMT/IS/IUC, em “Tipo de Questão” selecionar “I. Selo” e em “Questão” selecionar “Aq. Gratuita – Outros”, anexando o documento “NIF Herança Indivisa”, devidamente preenchido, bem como cópia do(s) documento(s) de identificação do autor da transmissão e de todos os herdeiros. O cargo de cabeça-de-casal deve observar o disposto no artigo 2080º e seguintes do Código Civil

II – Depois de criado o NIF da herança e associado o cabeça de casal, já deverá ser possível submeter a declaração através do link https://imoveis.portaldasfinancas.gov.pt/mod1istg/portal/entregar-participacao ou então procurar no site por “ISTG”

Presumo que os documento se suporte sejam posteriormente remetidos através de e-balcão ou presencialmente.

Os problemas que possam encontrar devem ser desde logo remetidos para a AT.

Até podemos não comemorar…

… mas podemos aproveitar para evoluir.

No dia 8 de março completaram-se 20 anos da publicação do Decreto-Lei n.º 38/2003, possivelmente a mais profunda das alterações à realidade do processo civil português, com impactos que, em muito, ultrapassaram a ação executiva.

A maioria dos profissionais do foro não conhece, ou já não recorda, qual a realidade processual “pré 2003”, sendo compreensível o desinteresse sobre o que motivou esta significativa viragem, como foi e por quem foi feita, com que meios. Com quem e contra quem!

A memória desvanece-se e a sucessão dos acontecimentos torna-se muitas vezes confusa, mostrando-se difícil distinguir a história das estórias. Entre estas e aquelas, há nomes silenciosos que contribuíram para colocar de pé uma reforma por poucos apadrinhada.

  • “Barros”, “Constantinos”, “Leais”, “Pristas” e “Sardinhas”… um sem número de oficiais de justiça que, sem qualquer contrapartida, não só abriram as portas, como foram parceiros na mudança. 
  • “Alves”, “Araújos”, “Lopes”, “Pereiras” e “Mendonças”, colaboradores internos e externos da Câmara dos Solicitadores, a colocar os carris com o comboio em andamento.
  • “Bolotos”, “Costas”, “Magalhães” e “Oliveiras” que arriscaram ser “formadores” sem manuais.
  • Os solicitadores de “A” a “Z” que arriscaram o primeiro curso de formação e abraçaram a nova função (mais ou menos bem) …muitos até encontraram ali um nova família.

Não será (compreendo) uma data que deva ser efusivamente comemorada, mas não tenho dúvida que é uma data que merece ser assinalada, desde já com ponto de partida para um renovado debate sobre o futuro da ação executiva, não só em Portugal, mas no espaço Europeu, deixando aqui alguns tópicos, muitos deles certamente já conhecidos:

  • Sistema integrado de recuperação de créditos / certificação da incobrabilidade, a partir da fatura eletrónica;
  • A inteligência artificial na caraterização do devedor e na determinação da probabilidade de cobrança
  • O acesso aos dados patrimoniais e proteção desses mesmos dados;
  • Regime de citação, implementação de domicílio eletrónico, entrega eletrónica de duplicados, citação edital com anúncio nas redes sociais ou endereços digitais;
  • A constatação como meio de perpetuar a prova, antecedente ao processo judicial;
  • O papel do técnico de cadastro e articulação com o agente de execução no contencioso sobre “reais”;
  • Transparência na nomeação / distribuição aos prestadores de serviços à justiça (agentes de execução, administradores judiciais, patronos, peritos, encarregados de venda, etc);
  • O financiamento bancário na venda executiva;
  • Os juros compulsórios face à realidade socio/económica atual;
  • Articulação da execução fiscal e da execução cível;
  • A venda dos bens em execução fiscal a ser feita por agente de execução;
  • Leilão eletrónico regressivo para maior transparência do processo de venda, relegando a venda particular para casos absolutamente excecionais;
  • Declaração sumária de insolvência promovida pelo agente de execução quando não sejam determinados bens penhoráveis;
  • Liquidação administrativa das sociedades por iniciativa do agente de execução;
  • Atomização do procedimento de liquidação dos ativos nos processos de insolvência;
  • Eficiência e redução de custos no processo de recuperação de créditos;
  • O processo de execução intracomunitário, em especial na penhora de salário, reformas, créditos, saldos bancários;
  • Apreensão e venda de criptoativos / direitos digitais;
  • Penhora de partições sociais em sociedades anónimas não cotadas, responsabilidade dos administradores no registo das providências, a reconstituição dos títulos etc.
  • Despejo de habitação e articulação com as entidades assistenciais, prazo de entrega do imóvel, destino dos bens;
  • Controlo da atividade processual dos agentes de execução, com a dupla confirmação nas fases nucleares (citação, venda, pagamentos)
  • Tramitação da reclamação do ato do agente de execução;
  • O papel do agente de execução nos processos administrativos, tais como a tomada de posse de bens imóveis, identificação de imóveis devolutos etc.
  • O agente de execução no processo de execução administrativa;
  • Regime / plataforma central para contagem de prazos;
  • Apreensão de veículos automóveis e cooperação com as forças de segurança;
  • Desconsideração da personalidade jurídica e o papel do agente de execução na identificação dos casos em que esta deveria ser ponderada.

II – Imobiliário e arrendamento, Confiança ou falta dela

(2ª parte do tema Imobiliário e arrendamento, ver primeira parte aqui)

Há vários temas que geram discussões acesas, nem sempre ponderadas. Cada um dos lados da barreira atira o maior número de pedras para o campo vizinho e acontece na saúde, no ensino, na economia e na política em geral…e também no arrendamento.

Para uns os senhorios são avarentos, tendo como única preocupação o lucro fácil. Para outros os inquilinos são uma corja de potenciais incumpridores, que não pagam a renda e destroem as casas. Infelizmente muitos dos comentadores e alegados especialistas posicionam-se de um ou do outro lado da barreira, não estando preocupados em compreender os diversos matizes da realidade e muito menos em encontrar soluções, servindo-se tão só para surfar a “trend” do momento e assim se manterem visíveis. Por outro lado, a “publicidade” noticiosa opta por encontrar chavões que apelam ao “clique”, sendo residual os que produzem algo que vá para além do primeiro parágrafo.

Como referi no meu anterior post, o mercado do arrendamento atravessa uma nova fase, podemos até chamar-lhe de crise, sendo inevitável – e quanto a mim necessária – a intervenção do Estado. Não será esta intervenção pacífica ou minimamente consensual no que toca ao seu alcance. É fácil de vender a regulação sobre os “senhorios”, sendo o título do momento atacar um alegado (e indeterminado) volume de casas intencionalmente devolutas, sobre as quais o Estado irá impor o arrendamento forçado.

Estou certo de que o Sr. Primeiro-Ministro tem a perfeita consciência de que este anúncio de “arrendamento forçado” não é mais do que isso mesmo, “um anúncio”. Algo como a ameaça da Mãe ao filho adolescente…” olha que aos 18 anos ponho-te fora de casa”, sabendo de antemão que a probabilidade de isso acontecer é zero.

Ainda que chegue à letra de Lei, a sua execução é de tal maneira complexa e subordinada a um tão elevado número de exceções, que será marginal a sua aplicação, tal e qual a realização de obras coercivas…

Porém, ainda que não venha a ter um resultado prático mensurável, não deixa de ter algum efeito dissuasor ou “moralizador” do sistema, pesando na balança decisória de alguns proprietários.

Arrendamento forçado?

As chamadas “casas devolutas” é uma realidade que não é exclusiva do mercado português, sendo muito difícil alcançar uma definição e colocar essa definição em prática.
Há partida serão poucos aqueles que mantém um apartamento “vago” sem exista por de trás uma causa ou motivação. Salvo algumas raras exceções um proprietário não toma a decisão de não obter um rendimento, quando qualquer imóvel gera despesa (condomínios, obras, seguros e impostos).
Logo que foi anunciada a intenção de criar um regime de arrendamento forçado, começaram a anunciar-se excepções, tais como são a da 2ª habitação (férias), emigrantes e deslocados, idosos em lares e os mais diversos impedimentos temporários.
Mas são muitas as “imprevisíveis” exceções:
Depois de adquirir um imóvel, quando tempo dispõe para o colocar no mercado do arrendamento?
E depois de colocado no mercado do arrendamento, quanto tempo se dispõe para o arrendar?
A renda ou as demais condições anunciadas são relevantes para determinar a real vontade do proprietário?
E as casas ocupadas com contrato de comodado, será que vão ser “fiscalizadas” pela eventual fraude à Lei?
Como tratar os imóveis que são “existências” das empresas, ou seja, que foram construídos com para serem vendidos?
Os imóveis em onerados por hipoteca vão ter tratamento diferenciado?
E as condições de habitabilidade e até mesmo de segurança? Quem se responsabiliza?
Se forem necessárias obras, como vão ser feitas, quem as faz, como se financiam?
Nos imóveis em compropriedade, vão chamar todos os comproprietários?
Nos imóveis por partilhar? Serão chamados todos os herdeiros ou só o cabeça de casal?
Quando está pendente processo de partilhas, alguns há décadas?
Quanto se desconhecem os herdeiros? Promove-se a habilitação de incertos?
Quem e como vão ser fixados os valores de renda e os prazos e demais condições do contrato?
Quem vai tratar de identificar as casas devolutas e quem vai conduzir o processo?

Espero poder voltar a este tema num futuro muito próximo, falando sobre a utilização da figura da expropriação, seja da expropriação da propriedade plena, seja a expropriação do usufruto.

Devemos ter presente que o mercado do arrendamento habitacional está assente em pessoas singulares, proprietários de um ou dois apartamentos, inexistindo (ou sendo marginal) conglomerados económicos com centenas de apartamentos para arrendamento, que adotam medidas concertadas de fixação de preço ou de congelamento de “stocks”. A dispersão da propriedade e a imensidão de diferentes realidades económicas, faz com que seja difícil ao regulador intervir de forma imediata, sendo também difícil prever como se vai comportar esse mercado heterogéneo.

Por outro lado, a inexistência de grandes grupos económicos que dominem o mercado do arrendamento habitacional evita que o regulador se sinta “pressionado” ou condicionado. Em muitos setores da economia (como por exemplo na floresta, na agricultura ou na saúde) o peso e impacto de atuações concertadas limitam a regulação, mas não é o caso do mercado de arrendamento habitacional. Os senhorios não só não têm essa capacidade (individual ou coletiva) como não integram um grupo que mereça a simpatia da população em geral ou dos “média” em particular. Os “senhorios” não têm a capacidade “exportar” ou “contrata” políticos e gestores públicos e as insipientes organizações associativas não representam os senhorios (quando muito representam alguns senhorios de quem são procuradores remunerados)!

Independente das medidas que venham a ser tomadas, os senhorios precisam de confiança, sendo este a base sobre a qual temos de construir / estabilizar o mercado de arrendamento (habitação e comercial). Precisamos de senhorios e de inquilinos, não sendo uns mais importantes do que os outros. Senhorios que coloquem casas no mercado e inquilinos que as arrendem. Se os pratos da balança estiverem desequilibrados, seja para um lado seja para o outro, vamos continuar com grandes oscilações no mercado, que não são vantajosas nem para uns nem para outros.

E por mais que se queira produzir regras que visem acolher todas os casos, o mais certo é criar um regime de elevada complexidade, que será difícil de compreender, de implementar e monitorizar.

Não só não sabemos quantas habitações são necessárias, como não sabemos onde é que elas são necessárias, como não temos a capacidade de antever a influência interconcelhia ou interregional que resultaria da criação desgovernada de habitação.

Imagine-se que no concelho do Porto se estimava serem necessárias 2000 habitações. Se essas habitações “aparecerem” como serão afetados os concelhos de Matosinhos, Vila Nova de Gaia Gondomar, Valongo, etc…? Ninguém sabe, mas se não existir algum cuidado, se o Estado se prontificar a encontrar soluções rápidas (e necessariamente pouco ponderadas), vão certamente gerar problemas maiores do que aquele que se queria resolver.

Confiança

Voltando ao tema “confiança” o senhorio precisa, antes de mais, de estabilidade legislativa. Precisa de saber que quando celebra um contrato sobre determinado quadro legal (como por exemplo o prazo de duração de contrato) esse quadro legal não vai ser mais tarde alterado. Em suma, precisamos de um “estabilizador legal”, possivelmente de natureza constitucional, que não permita, como tem vindo a acontecer, que uma estratégia de contratação seja pouco depois deitada por terra.

Contratos não habitacionais de longo prazo

A título de exemplo quanto à falta de “estabilidade”, deixo as alterações precipitadas ocorridas em 2019, prevendo a possibilidade de tributação à taxa reduzida nos contratos de arrendamento não habitacionais de longo prazo iniciados em 01/01/2019.
Ainda no mesmo ano (em setembro de 2019) é criada (com notória fraude do processo legislativo) uma alteração que acaba com essa possibilidade, com a particularidade de querer excluir – ilegalmente – os contratos que, entretanto, já haviam sido celebrados.
Quase um ano e meio depois, através do Orçamento de Estado, veio o governo tentar, mais uma vez, tentar excluir esses contratos do regime tributário mais favorável, tendo a Autoridade Tributária servido, como é habitual, de barreira ao cumprimento da Lei, só travada pelas decisões proferidas em decisão arbitral.
Apesar da AT ter alterado os formulários de IRS, nunca o Estado (seja o Governo ou a AT) veio a público esclarecer os proprietários de que tem direito a ver os seus contratos (pelo menos os celebrados ou renovados entre 01/01/2019 e 18/09/2019) a ser taxados a taxa reduzida.
A quem possa interessar sugiro que a leitura das decisões arbitrais nos dois processos por mim intentados (em causa própria).
Processo nº 389/2020-T
Processo nº 571/2021-T
A resolução arbitral só foi possível alcançada graças à barreira constitucional de não retroatividade tributária, mas tal limitação não se alcança, pelo menos de forma clara e imediata, nos efeitos produzidos pelas sucessivas alterações às Leis do arrendamento.

A estabilidade legislativa estende-se também aos efeitos tributários, não sendo aceitável que se fixem condições contratuais com determinados pressupostos tributários, para imediatamente a seguir virem a ser alterados ou então criados regimes mais favoráveis que não podem ser aplicados ao caso concreto, pelo simples facto de o contrato ter sido celebrado antes de surgir o novo quadro tributário.

O segundo nível de confiança prende-se com a garantia de restituição do imóvel, sempre que o inquilino não cumpre. Dito de outra forma, o senhorio tem de confiar que consegue a entrega do imóvel num prazo razoável, o que neste momento, por força das sucessivas e saltitantes alterações legislativas, tornaram o procedimento deveras imprevisível.

A experiência dita que se um inquilino incumpridor que saiba utilizar, com um mínimo de mestria, os diversos atalhos, consegue certamente adiar a entrega do imóvel por mais de um ano, provavelmente 18 meses ou até mesmo 2 anos. Basta, para isso, furtar-se às notificações / citações, apelar ao apoio judiciário, pedir a substituição do patrono, contestar o processo, recorrer da decisão, pedir o deferimento da desocupação, impugnar atos e decisões intermédias e, no final, encontrar uma “doença à medida”, sem prejuízo de lhe calhar um tribunal que considera ainda estar em vigor a “Lei covid”.

E com todo isto, quem suportou a missão social acometida ao Estado foram os senhorios, assim com continuam a ser o suporte social dos contratos “vinculísticos”, mantendo-se o Estado pacificamente despreocupado sobre esta matéria. Os agentes de execução são testemunhas de que, nos processos de despejo, a resposta social não está a ser garantida pelo Estado!

Sobre os contratos chamados “vinculísticos”, anuncia o Governo, quanto a mim bem, que estes não vão sofrer alterações. Finalmente alguém com coragem para dizê-lo de forma clara. Dizia o meu Pai, quando era deputado da república nos anos 80 (para os de esquerda um “perigoso fascista” e para os de direita um “perigoso esquerdista”), que os contratos “antigos” se iriam resolver com a morte do último dos inquilinos! Mais vale assumir claramente esta solução, mas é necessário estancar a possibilidade de se estender para além da morte do último dos arrendatários. É imperativo colocar um termo às exceções que continuam a permitir a manutenção destes contratos, tais como são as de transmissão por casamento (no caso os casamentos após o ano de 2006), a união de facto, ascendente ou descendentes, ainda que menores ou portadores de deficiência.

Para restabelecer a confiança, deixo, para já, as seguintes propostas:

Proposta I – Restringir os efeitos de novas Leis sobre os contratos existentes

Criar um quadro legislativo, possivelmente constitucional, que garanta ao senhorio estabilidade nas relações contratuais e que imponha limite à retroatividade das alterações legislativas em matéria de arrendamento, quer para senhorios quer para inquilinos!

Proposta II – Estabilidade tributária

Assegurar aos senhorios um quadro tributário estabilizado pelo período de referência de retorno (ilíquido) do investimento, habitualmente considerado de 20 anos.
As eventuais alterações tributárias que impliquem redução da carga fiscal devem estender-se aos contratos pré-existentes, ainda que tal possa implicar eventuais ajustamentos contratuais ou formalidades específicas de adesão ao novo quadro.
Em matéria tributária importa também evitar procedimentos declarativos complexos e recorrentes, claramente desenhados para dificultar a sua utilização.

Proposta III – Limite peremptório aos contratos “vinculisticos”.

1) Os contratos “vinculísticos” devem assim manter-se até ao decesso do inquilino, havendo, no entanto, lugar à atualização da renda de acordo com a capacidade económica do inquilino e seu agregado familiar.
2) O Estado deve suportar o diferencial entre o limite da capacidade económica do inquilino e o valor de renda de referência para uma habitação de iguais características.
3) A transmissão do contrato para o cônjuge do primitivo arrendatário só se verifica se o casamento tiver ocorrido antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006.
4) Extinto a relação contratual, haverá o direito à celebração de novo contrato, pelo prazo certo de 5 anos, para:
a) o cônjuge sobrevivo (casado após entrada em vigor da Lei n.º 6/2006);
b) Ascendente ou descente que com ele residisse há mais de 2 anos e na condição de ter sido comunicado tal circunstância pelo arrendatário para efeitos de fixação da capacidade económica do inquilino e seu agregado familiar.
5) Não havendo acordo quanto ao valor da renda, será fixada de acordo com a valor de referência para uma habitação de iguais características.
6) O valor da renda é devido no terceiro mês seguinte à extinção do contrato.

Proposta IV– FGA (Fundo de Garantia de Arrendamento)

O risco associado à morosidade dos processos ou procedimento de despejo devem ser assegurados pelo Estado, eventualmente com a criação de um fundo de compensação, nos moldes idênticos ao que encontramos nos seguros (Fundo Garantia Automóvel) ou salários (Fundo de Garantia Salarial).
Este fundo serviria também para garantir as compensações decorrentes da manutenção dos contratos vinculísticos, reabilitação de imóveis arrendados, e apoio social no arrendamento.
O fundo pode ser criado com atribuição de verbas do PRR e mantido com uma percentagem da carga tributária sobre rendimentos prediais, bem assim de uma parte da receita de IMT e IMI.
O FGA servirá, em pouco tempo, como barómetro das necessidades sociais em matéria de arrendamento.

I – Imobiliário e arrendamento, a galinha dos ovos de ouro…!

…só depois descobriram que para dar ovos de ouro temos de lhe dar ouro a comer!

Aviso que este texto é um pouco extenso e não apresenta soluções, servindo para dar contexto a um (ou mais) textos que espero poder escrever nos próximos dias.

Por “defeito” familiar, lido com o arrendamento desde muito novo. O meu Avô e o meu o Pai foram desde sempre senhorios e administradores de imóveis de terceiros, atividade que continuo a desenvolver enquanto solicitador.

Devia ter uns 7 ou 8 anos e acompanhava o meu avô no recebimento das rendas, naquela altura feita “porta a porta”. Aos 10 ou 12 anos fazia sozinho algumas dessas cobranças.

Lembro-me de “selar” os recibos de renda e de o meu Pai desafiar-me para fazer as contas de cabeça. Todos os meses preenchia mais de 200 recibos “à mão” e com 16 anos já “batia” na máquina de escrever os encerramentos de contas com os clientes. Ainda hoje tenho marcado na memória o nome de dezenas desses inquilinos.

Conheci as histórias dos sucessivos congelamentos de rendas, de senhorios que investiram para a velhice e quando regressaram a Portugal, não tinham rendimento. A doença súbita de um cliente obrigou-o a retornar a Portugal com toda a sua família e forçado a tomar de arrendamento um apartamento. A renda que pagava era superior à soma das rendas dos 10 apartamentos de que ele era proprietário!

Nos anos 80 era habitual um inquilino pagar mais de aluguer de contador de eletricidade do que pagava de renda de casa!

Em Lisboa, um prédio na avª da Igreja, com 6 apartamentos e 2 lojas, a soma das rendas não chegava para pagar o salário à porteira!

Ouvi as histórias, contadas na primeira pessoal, das sucessivas tentativas legislativas de descongelamento de rendas, com deputados – de todos os quadrantes políticos – a bloquearem qualquer iniciativa pois eles próprios – ou seus familiares – eram arrendatários de apartamento nas avenidas novas, com rendas de 800$00 (4 €), numa altura em que o salário-mínimo era na ordem dos 50,00 €.

Em 1990 essas mesmas rendas mantinham-se em 800$00 (4€) e o salário-mínimo era de 135,7 €.

Era normal um arrendatário pagar de 800$00 de renda e “subalugar” um quarto por 20.000$00.

Conheci um arrendatário – juiz – com um salário de 300.000$00 e subsídio de renda de 50.000$00, que pagava 2.000$00 de renda, mas ainda assim sentia-se no direito de exigir do senhorio umas persianas novas!

Presenciei ações de despejo que tardavam 3 ou 4 anos e posso garantir que nunca se conseguiu cobrar qualquer importância em processos de execução.

Nas poucas oportunidades que Lei deixava ao senhorio recuperar o imóvel, deparávamo-nos com Tribunais tendenciosos!

Acabei por me tornar solicitador e continuei a lidar com o arrendamento. Ainda no estágio, assisti à colocação dos processos de despejo (e dos inventários) “no fundo do monte”.

No início de 90 abriu-se a porta a contratos a prazo, mas as rendas “antigas” continuaram congeladas.

Numa mesma rua encontrávamos (e ainda encontramos) um comerciante a pagar 1000$00 (5,00€) e o da porta ao lado – a vender o mesmo produto – pagava 200.000$00! Os inquilinos comerciais faziam magníficos negócios de trespasse, sustentados exclusivamente em rendas irrisórias.

Assisti a proprietários, em momentos de aflição, a vender apartamentos ao desbarato, mas também assisti a vendas prédios inteiros para investir na bolsa, para pouco tempo depois ficarem sem nada.

Em 2003 tornei-me também agente de execução e passei a lidar com situações de carências inimagináveis (financeiras, sociais e de saúde) com a particularidade de ter realizado largas dezenas de despejos de habitações sociais (propriedade municipal e de subarrendamento social).

Encontrei situações em que não havia nada na mesa para comer, não havia eletricidade ou água, mas também conheci quem tinha habitação social em dois concelhos diferentes e se fazia transportar em veículos de alta cilindrada, ou quem não pagava a renda social de 20,00 Euros, mas não dispensava a assinatura de canal desportivo de televisão por cabo.

Nos bairros sociais as iniciativas de despejo centravam-se, essencialmente, em casas abandonadas ou ilegalmente ocupadas, tendo como principal objetivo “assustar” os demais inquilinos incumpridores.

Em 2012 surgiu a primeira verdadeira medida de descongelamento das rendas, procurando introduzir alguma justiça no mercado do arrendamento. Prometeram aos senhorios 7 anos de transição e aos arrendatários o apoio nas rendas. Lamentavelmente não foi criada uma plataforma que evidenciasse os resultados os processos de transição.

Conforme os 7 anos se esgotavam, foram surgindo sucessivos adiamentos, até ao dia em que é hoje, em que já não se consegue perceber o que vai acontecer, se é que alguma coisa vai acontecer.

Nos últimos anos assistimos a variadíssimas intervenções avulso na lei do arrendamento, produzidas na Assembleia da República, como resposta à música do momento, como tal sem que qualquer critério, contextualização ou previsão dos resultados.

Surgiram os vistos Gold, o mercado imobiliário renasceu das cinzas, já esquecido o descalabro de 2008. Todo e qualquer um passou a ser um consultor / especialista imobiliário, as comissões de mediação que eram de 2 ou 3% cresceram para 5, 6 ou até 7%. Qualquer transação imobiliária está pendurada em sem-número de intermediários / consultores / especialistas, mais ou menos informais.

O mercado da mediação imobiliária é uma selva, com o mesmo imóvel a ser anunciado por um sem-número de pessoas/empresas e os grandes “players” do setor sustentam o seu negócio num esquema piramidal, em que a esmagadora maioria dos “consultores” pagam para trabalhar!

As crises Brasileiras (económica, o “Mensalão” e “Petrobrás”) deslocam para Portugal uma nova vaga de emigrantes, desta vez endinheirados, que compram e arrendam apartamentos sem olhar para o preço… e os preços sobem. Os muito abastados escolhem Lisboa/Cascais, os da classe média estabelecem-se em Braga.

Descobriram o “airbnb” e de repente – tal e qual a moda dos videoclubes dos anos 80 ou os cibercafés dos finais de 90 – todos se voltaram para a nova galinha dos ovos de ouro, sem perceberem que a galinha só dá ovos de ouro de lhe dermos ouro a comer!

As taxas de juros negativas pervertem a mente das pessoas. Muitos dos que nunca investiram no mercado do imobiliário acabam por também comprar um apartamento para colocar no mercado do arrendamento ou do “airbnb”… e os preços sobem . Mas, não só investem o que têm, como o que não têm e vão à banca. A banca, depois da crise, está outra vez sedenta de colocar o dinheiro e incentivam estes novos “especialistas do imobiliário” a lançar-se de cabeça.

O investidor tradicional, que se satisfazia com retornos ilíquidos de 4% é olhado com desprezo pelos novos especialistas conseguem 10% de retorno! Mas agora a coisa está a correr pior, a prestação do empréstimo está a subir, e há que subir as rendas. Apesar da subida das taxas de juros os bancos continuam a não remunerar os depósitos, e as comissões que galoparam nos últimos 3 anos, são um dado adquirido, estão para ficar.

Em fevereiro de 2022, um dos principais sites da especialidade, apresentava 40 apartamentos para arrendar em todo o concelho de Braga! T1 a 700,00 Euros e T3 na ordem os 900,00 a 1200,00 Euros, mas podemos encontrar outros a 1700,00 €. Em Braga, a cidade que há uma década tinha a fama de ser a cidade mais barata do País!

As notícias circulam, o Governo finalmente demonstra preocupação e apresenta um elevado número de medidas para enfrentar o problema. Uma nova vaga de “especialista” tem alguma coisa a dizer, no essencial não apresentam soluções, mas tão só críticas às propostas do governo e culpas a quem fez e a quem não fez!

Os preços das casas continuam invariavelmente altos, o preço da construção aumentou significativamente. No dia de hoje, a requalificação de um apartamento em Braga consome na ordem dos 50.000 a 60.000 Euros, que somado ao valor do imóvel na ordem dos 120.000 €, importaria num investimento total na ordem dos 180k. Num mercado “normal” esperaria uma renda na ordem dos 600,00 €/mensais, mas os preços são muito superiores!

Vou tentando, confesso que com alguma dificuldade, convencer os meus clientes a não embarcar nesta loucura de valores, em manter alguma “moralidade” nos valores das rendas. Tento-os convencer a celebrar contratos de longo prazo, em regra 10 anos, fazendo as contas à vantagem fiscal de obter taxa de IRS mais reduzidas (no caso de 14% em vez de 28%). Procuro explicar que ser “senhorio” é investir no longo prazo, optar por um retorno estável e que o inquilino fique por lá muito tempo. Mas a pressão é muita, as imobiliárias inflacionam os valores, pois aumenta a comissão e aumenta a probabilidade de o apartamento voltar em pouco tempo novamente ao mercado!

Não é fácil vender esta estratégia, desde logo porque é difícil lutar conta o dinheiro, mas por também porque me deixam perguntas difíceis de responder:

Será que as leis se vão manter?  Daqui a 10 anos não virá uma nova lei a dizer que não posso renegociar o contrato ou retomar a casa? Já se fala em taxa de IRS “zero”, não é melhor esperar para ver o que vai acontecer?

Entretanto o grande “Nêmesis ” é o arrendamento forçado. De um lado anuncia-se a inconstitucionalidade, do outro dão-se exemplos de países civilizados que têm regras de arrendamento forçado.

No meio disto:

Os senhorios ficam sem saber o que fazer!

e

Quem procura casa não as encontra… pelo menos a preços que possam pagar!

Continuar para II parte – Imobiliário e arrendamento, Confiança ou falta dela

Pedidos de Nacionalidade Online

Acabou de ser disponibilizado pelo IRN o formulário eletrónico para submissão de pedidos de nacionalidade, exclusivamente para solicitadores e advogados através do sítio de internet https://justica.gov.pt/Servicos/Submeter-pedido-de-nacionalidade.

Estão de parabéns os serviços do IRN não só pela iniciativa, como pela facilidade de utilização da plataforma, cabendo assinalar que já experimentei sem qualquer tipo de problemas.
Saliento a possibilidade de gravar os pedidos para continuar o preenchimento mais tarde, bem assim a possibilidade de consulta do estado de todos os pedidos. Espero que os próximos desenvolvimentos na área do registo predial, comercial e automóveis siga pelo mesmo caminho…

Nesta fase estão disponíveis os seguintes pedidos:

  • Estrangeiros a residir legalmente em Portugal há pelo menos cinco anos com mais de 18 anos (ou for legalmente emancipado) (artigo 3º nº1 da Lei da Nacionalidade)
  • Estrangeiros casado ou viva em união de facto com um português há mais de 3 anos (artigo 6º, nº 1 da Lei da Nacionalidade)
Estrangeiros a residir legalmente em Portugal há pelo menos cinco anos com mais de 18 anosEstrangeiros casado ou viva em união de facto com um português há mais de 3 anos
Formulário (emitido na plataforma)Formulário (emitido na plataforma)
Comprovativo do conhecimento da lingua portuguesaCertidão de registo de nascimento do cônjuge português
Certidão de registo de nascimentoDoc. comprovativo da nacionalidade estrangeira do interessado
Documento de IdentificaçãoDoc. comprovativo de ligação efetiva à comunidade
Registo CriminalCertidão de Registo de Casamento
ProcuraçãoDocumento de Identificação
Procuração
Documentos instrutórios de pedidos de nacionalidade

PASSO A PASSO

#1 – Acede ao site autentica-te o certificado profissional

#2 – Completa os teus dados conforme imagem seguinte (morada, telefone, nif, IBAN, SWIT) e depois escolhe “gravar”

#3 – Vai agora aparecer a área de trabalho onde podes encontrar os processos que estão em preparação, com alertas de correção e para análise. Para criar um processo escolhe a opção “novo pedido”

#4 – Vai abrir o formulário do pedido, onde vais ter de escolher o tipo de pedido, ou seja:
a) Estrangeiros a residir legalmente em Portugal há pelo menos cinco anos com mais de 18 anos (ou for legalmente emancipado) (artigo 3º nº1 da Lei da Nacionalidade) ou
b) Estrangeiros casado ou viva em união de facto com um português há mais de 3 anos (artigo 6º, nº 1 da Lei da Nacionalidade)

#5 – Completa os dados que vão sendo gradualmente solicitados.

6# – No final do formulário aparece a área para junção dos documentos.
Se tudo estiver bem preenchido “clica” em “formulário do pedido” e descarrega do pdf para o teu computador.
Agora assina eletronicamente (com o certificado digital de solicitador) o “formulário do pedido” bem assim todos os demais documentos.

Atenção:

Todos os documentos que submeteres devem também estar assinados digitalmente (ou porque são já documentos digitais com assinatura digital ou então devem ser assinados digitalmente pelo solicitador com o certificado profissional)

7# – Depois de colocar todos os documentos, podes submeter e fazer o pagamento e podes acompanhar o desenvolvimento processo através da plataforma.

JURO COMPULSÓRIO – A CONFUSÃO PELOS VISTOS CONTINUA (PARTE I)

Imagem gerada em DALL-E 2, com a prompt:
“a man walking and very bent over carries a box with “5%” written on his back. Drawing in manga style”

Disseram-me que numa recente ação de formação que versou sobre a “conta”, terá ali sido dito que “em primeiro lugar pagam-se os juros devidos ao Estado e só depois é que se paga ao exequente

Infelizmente continuam a ser muitas as dificuldades de interpretação.

Ouvem-se coisas como a que acima referi, sem qualquer tipo de fundamentação; recebem-se notificações para depósito dos juros compulsórios muitos anos após a extinção da execução, sem que haja o cuidado de verificar os fundamentos da extinção.

    Inexiste regulamentação que permita esclarecer muitas das dúvidas que são suscitadas, principalmente por credores e agentes de execução, mas que vou procurar responder objetivamente. Importa – ainda que de forma muito breve – contextualizar o problema, deixando já a nota de que a maior parte das questões podem ser resolvidas com bom-senso e alguns cuidados, principalmente antes de ser celebrado um acordo de pagamento.

    JURO COMPULSÓRIO – O QUE É?

    O artigo 829ºA do Código Civil Português, sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória”, consagra que sendo estipulado judicialmente o pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros (a que vamos chamar de “juros compulsório”) à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.

    Enquanto o juro moratório tem por objetivo compensar o credor pelo atraso no recebimento, o juro compulsório tem por função principal sancionar o devedor pelo incumprimento do pagamento, compelindo-o a cumprir atempadamente a sua obrigação. Releva olhar para a exposição de motivos constante do Decreto-Lei 262/83 de 16 de junho:

    “A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.”

    Esta sanção é “automaticamente” devida quando existe uma decisão judicial (ou de génese judicial como é o caso da injunção – alínea d) do artigo 13º do DL n.º 269/98, de 01 de setembro), podendo dizer-se que se trata de uma sanção pelo desrespeito à ordem judicial.

    Prevê o mesmo artigo que esta sanção pecuniária compulsória se destina, em partes iguais, ao credor e ao Estado, ou, dito de outra forma, o credor e o Estado partilham o resultado.

    Ao contrário de que alguns (muitos) podem pensar, os “juros compulsórios” não tem qualquer privilégio creditório (como tem por exemplo as custas), estando tão só subordinado à previsão do artigo 785º do Código Civil, ou seja, de serem pagos antes do capital:

    Artigo 785.º – (Dívidas de juros, despesas e indemnização)

    1. Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.
           2. A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.

    QUEM É RESPONSÁVEL PELA LIQUIDAÇÃO?

    Cabe ao agente de execução (nº 3 do artigo 716º do CPC) liquidar, o que deverá fazer em simultâneo com a liquidação dos juros, em regra, no final do processo (nº 3 do artigo 716º).

    A liquidação deve ocorrer ainda que não tenha sido requerido pelo exequente, pois é uma sanção automática, “não carece a mesma de ser fixada na sentença proferida na ação declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo” (conferir acórdão 57/12.1TTLRA-A.C1).

    A reter que “liquidar” é diferente de “cobrar”, ou seja, o ato de “liquidar o juro” não impõe necessariamente que o agente de execução faça a cobrança do valor daí resultante. Trata-se de momentos diferentes, ocorrendo sempre o primeiro, mas não necessariamente o segundo.

    Para que o Estado possa receber a quota parte nos juros compulsórios é imprescindível que o exequente tome a iniciativa de cobrança, ou seja, que inicie um processo de execução ou PEPEX, não podendo o Estado despoletar o processo de cobrança, pois não lhe está conferida tal iniciativa.

    Em alguns casos, como mais à frente vou descrever, o Estado pode promover a cobrança coerciva desses juros, mas tal só poderá ocorrer após o valor ter sido liquidado pelo agente de execução.

    Em suma, o Estado não detém nem a iniciativa de liquidação ou de cobrança, podendo apelidado de “credor passivo”.

    COMO TEM VINDO A SER FEITA A COBRANÇA DOS JUROS COMPULSÓRIOS

    Apesar de introduzido no direito português no ano de 1983, a liquidação dos juros compulsórios manteve-se adormecida durante mais de 20 anos, só despertando depois da reforma da ação executiva em 2003.

    A iniciativa de cobrar os juros compulsórios partiu dos agentes de execução, mais precisamente da então Câmara dos Solicitadores, que introduziu mecanismos que “convidavam” à liquidação, nomeadamente na plataforma informática SISAAE / GPESE.

    Depois de 2012, com a implementação das funcionalidades de controlo de movimentos das contas cliente dos agentes de execução, passaram a existir elementos quer permitiam identificar os pagamentos ao Estado e, a partir 2016, passou a ser possível quantificar os valores referentes a juros compulsórios.

    Entre 2017 e 2019 os agentes de execução entregaram mais de 17 milhões de euros, qualquer coisa como 2 palcos das jornadas da juventude / ano, sendo que em 2019 o valor foi muito próximo a 10 milhões de euros.

    Em 2019 o valor resultante dos juros compulsórios é mais do dobro da receita da taxa de justiça nas execuções!

    Evitando, pelo menos por agora, polémicas quanto à “justiça” desta sanção, ou do destino que lhe deveria ser dado, vou-me centrar na problemática da responsabilidade do agente de execução na liquidação destes juros, mais precisamente quando não se consegue recuperar montante suficiente para satisfazer a responsabilidade do executado.

    CREDOR, DEVEDOR, ESTADO E AGENTE DE EXECUÇÃO

    É por vezes difícil perceber como se interligam estes quatro atores, sendo certo que esta dificuldade não se circunscreve à liquidação, cobrança e distribuição dos juros compulsórios. Para melhor se compreender este teatro, opto por colocar alguns exemplos que retratam as situações mais habituais.

    Assinalo que, sendo o Estado beneficiário de 50% dos juros compulsórios, cabe ao Ministério Público defender os interesses daquele, devendo por isso ser sempre notificado, merecendo especial preocupação a realização dessa notificação quando o agente de execução se limita a “liquidar” e não a “cobrar” os juros compulsórios.

    Ainda que contrarie a vontade ou opinião de alguma das partes, o agente de execução tem necessariamente de tomar uma decisão formal, que pode ser a liquidar ou de não liquidar, e desta decisão notifica todas as partes, incluindo o Ministério Público. Caberá então às partes reclamar da decisão e ao Juiz decidir essa reclamação.

    CASO 1
    EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO COM PAGAMENTO INTEGRAL (AO AGENTE DE EXECUÇÃO)

    Quando se verifica o pagamento integral da dívida através do agente de execução – pelo pagamento voluntário ou pelo produto da penhora – o procedimento é simples:

    1. O agente de execução líquida a responsabilidade do executado, incluindo aqui os juros compulsórios e notifica às partes (exequente, executado e Ministério Público);
    2. Decorrido o prazo para reclamação (10 dias), extingue-se a execução e o agente de execução dá pagamento.

    DECISÃO #1
    Extingue-se a execução pelo pagamento (nº 1 do artigo 849º do CPC), uma vez que se encontra depositado o valor em dívida.
    Ascende a responsabilidade do executado a 11.808,24 euros, conforme se passa a descrever:
    1 Capital…………………………………………………………. 10.000,00 €
    2 Juros de mora (4%) ……………………………………………..657,53 €
    3 Juros compulsórios (5%) ………………………………………595,89 €
    4 Custas suportadas pelo exequente…………………………119,60 €
    5 Saldo de honorários e despesas devidos ao AE…………435,22 €
     
    Dá-se pagamento nos seguintes termos:
    – Agente de execução – saldo de honorários e despesas no montante de 435,22 €
    – Exequente – o resultante da soma do capital (10.000,00 €), juros de mora (657,53 €) e 50% do juro compulsório (297,95 €), tudo no total de 11.075,08 €
    – Estado – 50% do juro compulsório, no montante de 297,95 €

    CASO 2
    EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO COM PAGAMENTO PARCIAL (AO AGENTE DE EXECUÇÃO)

    Havendo valores depositados à ordem do processo (provenientes de pagamento voluntário ou produto da penhora) o agente de execução líquida os juros devidos até àquele momento.

    Em primeiro lugar retiram-se as custas (saldo de honorários e despesas devidos ao agente de execução, despesas e adiantamentos suportados pelo exequente). O saldo remanescente é então aplicado para pagamento dos juros e só depois ao capital, conforme resulta do artigo 785º do Código Civil.

    Não havendo valor suficiente para cobrir a totalidade dos juros, a distribuição será feita proporcionalmente entre o exequente e o Estado. Esta distribuição não está prevista na conta da aplicação informática dos agentes de execução (SISAAE/GPESE), pelo que deverá ser calculada autonomamente e vertida na decisão de extinção.

    Para calcular o montante a que cada um tem direito há que previamente determinar:

    [A] O valor total de juros (de mora e compulsório)

    [B] O valor total de juros que seriam devidos ao exequente (os de mora e 50% do compulsório)

    [C] O valor total de juros que seriam devidos ao Estado (50% do compulsório)

    [D] O valor disponível para distribuir (em termos práticos o valor recuperado, deduzido das custas que saem precípuas)

    Uma vez na posse destes dados, resta fazer as contas:

    Ao exequente – [B] x [D] : [A]

    Ao estado – [C] x [D] : [A]

    DECISÃO #2
    Desconhecendo-se a existência de outros bens, a presente execução é declarada extinta nos termos do arts. 750°, n° 2 e 849°, n° 1, al. c), ambos do CPC, sem prejuízo da sua eventual renovação nos termos do n° 5, do art° 850°.
    Ascende a responsabilidade do executado a 11.808,24 euros, conforme se passa a descrever:
    1 Capital…………………………………………………………. 10.000,00 €
    2 Juros de mora (4%) ……………………………………………..657,53 €
    3 Juros compulsórios (5%) ………………………………………595,89 €
    4 Custas suportadas pelo exequente…………………………119,60 €
    5 Saldo de honorários e despesas devidos ao AE…………435,22 €
     
    Foi recuperada a importância de 1230,00 Euros, dando-se pagamento nos seguintes termos:
    a) Saem precípuos os honorários e despesas do agente de execução (435,22 Euros) e as custas suportadas pelo exequente (119,60 Euros).
    b) O remanescente de 675,18 Euros (1230,00-119,60-435,22) não é suficiente para pagar a totalidade dos juros (1253,42 Euros) sendo por isso dividido proporcionalmente entre o exequente e o Estado.

    Estado – 160,49 € (595,89 x 50% x 675,18 : 1253,42)
    Exequente – 514,69 € (595,89 x 50% x 675,18 : 1253,42)+119,60€

    CASO 3
    EXTINÇÃO POR ACORDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES (COM SALDO DISPONÍVEL)

    Desde a reforma de 2013 que a celebração de acordo de pagamento leva a extinção da execução (nº 2 do artigo 795º e 806º do CPC).  Trata-se de uma extinção que não é definitiva, uma vez que, não sendo cumprido o acordo de pagamento, tem o exequente a possibilidade de renovar a execução (806º CPC).

    Apesar de não ser “definitiva” não podemos deixar de a considerar como o “final” da execução, sendo este o momento de liquidação dos juros (nº2 do artigo 716º do CPC), incluindo os compulsórios.

    Quando celebrado o acordo de pagamento temos uma de duas situações:

    1. Existem valores depositados para dar pagamento da quota parte dos juros compulsórios devidos ao Estado; ou
    2. Inexiste valor suficiente para tal pagamento.

    No primeiro caso não deverá, à partida, existir problema, devendo o agente de execução promover a liquidação (e pagamento) dos juros que sejam devidos naquele momento, não havendo lugar à liquidação dos juros que possam vir-se a vencer, porquanto a previsão legal fixa o momento da extinção e não um momento futuro. Ainda que o acordo de pagamento preveja que o executado tenha de pagar juros compulsórios vincendos, caberá ao Ministério Público (e não ao agente de execução) tomar as medidas necessárias à cobrança desses eventuais juros vincendos, eventualmente exigindo-os do exequente, tendo muitas reservas de que o possa fazer.

    DECISÃO #3
    Atento o acordo de pagamento em prestação celebrado entre exequente e executado, extingue-se a presente execução nos termos do nº 2 do artigo 795º e 806º do CPC.
    Ascende a responsabilidade do executado a 11.808,24 euros, conforme se passa a descrever:
    1 Capital…………………………………………………………. 10.000,00 €
    2 Juros de mora (4%) ……………………………………………..657,53 €
    3 Juros compulsórios (5%) ………………………………………595,89 €
    4 Custas suportadas pelo exequente…………………………119,60 €
    5 Saldo de honorários e despesas devidos ao AE…………435,22 €
     
    Encontra-se depositado à ordem destes autos a importância de 2500,00 Euros, dando pagamento nos seguintes termos:
    – Agente de execução – saldo de honorários e despesas devidos, de 435,22 €
    – Estado – 297,95 € correspondente a 50% do juro compulsório;
    – Exequente – o remanescente de 1766,83 €.
    O executado deve cumprir pontualmente o acordo de pagamento, sob pena de renovação da instância executiva, nos termos do artigo 806º CPC.

    CASO 4
    EXTINÇÃO POR ACORDO (SEM VALOR DISPONÍVEL)

    Mais uma vez o exequente poderá tomar alguns cuidados no momento da formalização do acordo, forçando o pagamento antecipado da quota parte dos juros compulsórios (e naturalmente das custas), evitando desta forma que se gerem incidentes no processo.

    Se não existir valor depositado para assegurar o pagamento dos juros compulsórios, o agente de execução não poderá deixar de extinguir a execução, devendo, no entanto, manifestar que a quota parte dos juros compulsórios (devido ao Estado) não se encontram pagos/assegurados, deixando ao Ministério Público a iniciativa de reagir.

    Salvo melhor opinião, parece-me que são parcas as hipóteses de reação do Ministério Público. Na melhor das hipóteses, existindo bens penhorados, poderá socorrer-se do disposto do nº 2º artigo 850º do CPC, requerendo a renovação da execução, não sendo de todo pacífica esta hipótese.

    Se não existirem bens penhorados, resta-lhe, sem dúvida, extrair certidão e promover processo de execução fiscal junto da administração tributária, conforme resulta inequívoco do artigo 35º do Regulamento das Custas Processuais, quando refere “outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial”.

    Assinala-se a importância de se promover a notificação do Ministério Público. Com esta notificação o agente de execução encerra o procedimento de liquidação, cabendo ao Ministério Público tomar a posição que entender, inclusive a de reclamar da própria decisão de liquidação/extinção.

    DECISÃO #4
    Atento o acordo de pagamento em prestação celebrado entre exequente e executado, extingue-se a presente execução nos termos do nº 2 do artigo 795º e 806º do CPC.
    Nos termos do disposto no artigo nº2 e 3 do artigo 716º do CPC, liquida-se os juros compulsórios devidos ao Estado em 297,95 €, valor que não se encontra pago pelo executado, esclarecendo-se que não existem bens penhorados.
    Da presente decisão é notificado exequente, executado e Ministério Público.

    CASO 5
    EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO PELA ADJUDICAÇÃO

    Pode o exequente ser pago pela adjudicação de bens penhorados, quer para pagamento parcial ou total do crédito.

    Tomando por base o mesmo apuramento, coloque-se a hipótese de o exequente ser pago pela adjudicação de um veículo no valor de 15.000,00 Euros. Neste caso o exequente está dispensado de parte do preço (artigo 887º do CPC), cabendo ao agente de execução determinar qual a parte que está dispensada e, naturalmente, o valor que deverá ser por este entregue.

    O apuramento terá de considerar o saldo de honorários e despesas devidos ao agente de execução, bem assim a quota parte do juro compulsório devidos ao Estado.

    DECISÃO #5
    Tendo o exequente requerido a adjudicação do bem penhorado, com o valor de venda fixado de 15.000,00 Euros, este excede o crédito exequendo, pelo que cabe determinar qual o valor que está ou não dispensado depositar (artigo 887º do CPC).

    Ascende a responsabilidade do executado a 11.808,24 €, conforme se passa a descrever:
    1 Capital…………………………………………………………. 10.000,00 €
    2 Juros de mora (4%) ……………………………………………..657,53 €
    3 Juros compulsórios (5%) ………………………………………595,89 €
    4 Custas suportadas pelo exequente…………………………119,60 €
    5 Saldo de honorários e despesas devidos ao AE…………435,22 €
     
    Do valor apurado deve o exequente assegurar o prévio depósito do saldo de honorários e despesas devido ao agente de execução (435,22 €), da quota parte dos juros compulsórios devidos ao Estado (595,89 x 50% = 297,95 €) e do valor que excede a responsabilidade do executado (15.000,00 – 11.808,24 = 3.191,76 €) tudo no valor de 3.924,92 €

    Na próxima semana vou continuar a desenvolver este tema, com novos casos e exemplos de decisões de extinção. Caso tenham alguma situação que considerem relevante, peço que a coloquem nos comentários.

    “A única coisa que não consigo…”

    Hoje o tema não tem nada a ver com “direito”, mas antes sobre expetativas.

    Apareceu-me no “Tik-Tok” um breve vídeo do humorista “Raminhos” a divulgar o vídeo acabado de publicar no Youtube, chamado “Parte de Mim”.

    Trata-se de um episódio piloto que materializa uma ideia de minissérie desenvolvida pelo Raminhos e que merece ser divulgada. Desde logo porque tem efetivamente graça, porque nos traz uma mensagem séria… das que nos faz “pensar”, mas também pela forma franca como o Raminhos se apresenta a pedir apoio para este trabalho.

    É preciso alguma paciência para chegar ao local desejado, mas é como subir a montanha para admirar a paisagem. A paisagem vai “saber” melhor para quem a enfrenta a pé. Por isso, se pensarem em puxar para frente… não o façam… fiquem até ao fim.

    Não posso dizer muito mais, pois “amputava” a piada e a mensagem.

    Sugiro que dediquem um pouco de tempo a este trabalho de humor sério… ou um trabalho sério de humor?

    “CHAT GPT” a tendência do momento

    Nas últimas semanas temos vindo a ser bombardeados com notícias sobre o “ChatGPT” e a influência que esta (e outras) ferramentas de Inteligência Artificial (IA) e de Machine Learning (ML) vão ter nas nossas vidas.

    A título de  de curiosidade, experimentei colocar no google a frase que dá mote ao meu blogue: “o direito é uma linha no bolso” e – confesso com alguma surpresa – pude constatar que aparece uma única referência, precisamente a do meu blogue:

    Apesar de não ter qualquer referência externa, o ChatGPT construiu de imediato uma explicação:

    A Inteligência Artificial é algo que há muito é objeto de análise, quer sob o ponto de vista académico, quer na área recreativa, muito particularmente em livros, filmes e jogos.

    Na área académica assinalam-se os trabalhos de Alan Turing (1950) “Computing Machinery and Intelligence” e de John McCarthy (1956) “A Proposal for the Dartmouth Conference”.

    Na área do entretenimento o meu primeiro contato com o tema ocorre com o filme Jogos de Guerra (no original WarGames), sendo que a referência filmográfica a uma inteligência “mecânica” já tem perto de 10 anos, com o filme “Metrópolis” de 1927.

    Temos vários retratos (em regra tenebrosos ou apocalípticos) da influência da Inteligência Artificial no futuro da humanidade, deixando aqui uma lista (ordenada por data) de 10 filmes que merecem ser vistos:

    1. Metrópolis” (1927)
    2. “Blade Runner” (1982)
    3. “2001: A Space Odyssey” (1968)
    4. War Games” (1983)
    5. “The Terminator” (1984)
    6. “The Matrix” (1999)
    7. “A.I. Artificial Intelligence” (2001)
    8. “I, Robot” (2004)
    9. “Wall-E” (2008)
    10. “Chappie” (2015)

    Mais recentemente, sem o dramatismo cinematográfico, o documentário AlphaGo, disponível gratuitamente no Youtube (ver) é um bom exemplo, não só do que se alcança com a inteligência artificial, mas também do crescimento exponencia da tecnologia.

    Na viragem do século IXX para o século XX, assistia-se ao advento da eletricidade e imaginava-se o fim da iluminação a gás ou do forno a lenha… mas não era possível alcançar tudo quanto viria a ser descoberto e comercializado nos 50 ou 100 anos seguintes. Não era possível imaginar a rádio, televisão, computadores, telemóveis, internet, aspiradores, ecografias, etc

    Hoje, conseguimos imaginar o impacto imediato da inteligência artificial, na diminuição de tarefas inúteis ou perigosas, na rapidez na resolução de problemas e no desaparecimento/ transformação de algumas (muitas) profissões…mas não conseguimos alcançar o que vai surgir depois.

    Quais vão ser as novas “rádio” e “televisão” da segunda metade do século XXI?

    Como é que a sociedade se vai reinventar com esta nova realidade, que já ultrapassou a barreira da ficção e se entranha nas nossas vidas!